
Publicado por Connectarch
Duração 12 MIN
Data de publicação 09/02/2023
Arquitetura extrema
Projetos se sobrepõem à lugares inóspitos e criam condições humanas entre belas paisagens através da arquitetura extrema.
Neve, frio, gelo e temperaturas bem abaixo de zero. Esse foi o cenário encontrado pelo Estúdio 41 ao vencer o concurso para a reconstrução da Estação Antártica Comandante Ferraz em 2016, quatro anos depois que um incêndio destruiu a base original. Localizado no Polo Sul, a base científica brasileira foi praticamente feita do ‘zero’, como explica o arquiteto Emerson Vidigal, do escritório de arquitetura vencedor do concurso. “Em fevereiro de 2012 um incêndio destruiu praticamente toda a antiga Estação Ferraz. Sobrou somente uma parte da garagem de viaturas, e todos os laboratórios de pesquisa e alojamentos foram destruídos, então praticamente tudo mudou. A antiga Ferraz havia sido construída em partes pequenas, desde a década de 1980. Essa construção passo a passo foi feita sem muito planejamento e o edifício cresceu desordenadamente.”
Após vencer entre setenta inscritos em 2013, ano do concurso internacional lançado pelo IAB RJ, o Estúdio 41 se deparou com um dos maiores desafios de colocar o projeto de pé: poder 'construí-lo' apenas no verão, já que em outras épocas do ano, o clima severo é, de fato, um grande obstáculo. “A obra levou quatro anos. Teve início em 2016 e final em 2020. Na realidade foram quatro verões, uma vez que só é possível a operação logística no local entre os meses de dezembro e março”, conta Emerson. Durante o inverno as temperaturas são extremamente baixas. Segundo a estação meteorológica da base polar Amundsen-Scott junto ao Polo Sul, foi registrada no inverno de 2021, uma das temperaturas mais baixas desde que existe a medição em 1957: os termômetros marcaram -61,1ºC.
Se a logística para construir uma estação com 4.916,56 metros quadrados de área total, incluindo edifício principal e unidades isoladas, não foi fácil, a dinâmica dentro do escritório também não. O arquiteto conta que para a fase do concurso, foi preciso envolver cerca de 20 pessoas e, na etapa do projeto executivo, considerando arquitetura e todas as engenharias, consultores etc., foram mais de 50 pessoas trabalhando diretamente na elaboração dos projetos. E tem mais: “Depois da elaboração do Projeto Executivo, foi aberta uma licitação internacional para escolher a empresa construtora da nova Estação Ferraz. A vencedora foi a empreiteira chinesa CEIEC. Entre 2016 e 2019, os projetos de fabricação foram executados em Shanghai, na China, incluindo todas as etapas de industrialização e pré-fabricação. No canteiro final de construção, na Antártica, chegamos a ter aproximadamente 250 operários trabalhando em um dos verões para realizar a logística e montagem do edifício”, relata Vidigal.
De qualquer modo, é preciso ressaltar que mesmo em uma construção dessa importância e magnitude, houve um grande cuidado na manutenção da ‘alma’ da Estação. “Dá para dizer que o que mais se tentou preservar foi o espírito da antiga estação, a ideia de acomodação e espaços de convívio, tão importantes para os brasileiros foi mantida”, comenta Emerson ao pontuar sobre a intensidade desse trabalho que mesmo com desafios inerentes, foi algo além. “Um processo de trabalho intenso, por uma série de motivos, mas talvez, principalmente, porque foi preciso aprender muita coisa que não sabíamos. Porém, acredito que a arquitetura tenha essa característica, cada novo projeto é uma oportunidade de aprender.”



Sustentabilidade
Falar de um projeto arquitetônico deste porte e em um lugar tão inóspito ao frágil corpo humano, requer cuidados extras com a vida animal e vegetal. A Estação Antártica Comandante Ferraz recebeu em seu novo projeto todos os recursos disponíveis para garantir o bem-estar e proteger a natureza. Para isso, houve grande emprego de materiais e recursos sustentáveis que engloba painéis fotovoltaicos e eólicos, coletores solares, sistemas próprios de geração de energia, tratamento de água, esgoto e processamento de resíduos sólidos. Emerson dá mais detalhes: “Boa parte da água servida é reutilizada nos sistemas da edificação. O sistema de aquecimento (calefação) aproveita o calor gerado pelas máquinas para aquecer a própria água, evitando o desperdício de energia. As fachadas são pensadas num esquema de dupla envoltória, permitindo bom isolamento e conservação do calor interno do edifício. As estruturas e materiais de construção são, em sua maioria, recicláveis e poderão ser reaproveitados ao final do ciclo de vida útil do edifício.”
Mesmo frente a todos os desafios em projetar e construir em uma área peculiarmente difícil, a existência desse edifício mostra que é possível ter harmonia entre homem e natureza. E o arquiteto vai além. “Depois desses anos todos, com a obra já concluída, percebemos ainda mais a importância desse projeto para a ciência brasileira. As pesquisas desenvolvidas lá e nos laboratórios das universidades do nosso país são fundamentais se queremos aprimorar a ideia de nação, de coletividade, de objetivos comuns. A Estação Ferraz é isso, um espaço no qual o Brasil pode contribuir mundialmente com conhecimento científico de ponta. E esperamos que possa desempenhar esse papel ainda por muitas décadas”, finaliza Emerson Vidigal.
Esquentou!
Um projeto experimental na região no deserto de Gorafe, na Espanha, uma das regiões mais inóspitas do planeta, apresentou em 2018 a Casa do Deserto. Com 20 metros quadrados da Gurdian Glass e projeto do escritório OFIS Architects, quis provar que é possível, com tecnologia e arquiteturas corretas, viver no mais hostil dos ambientes onde as temperaturas no calor podem ultrapassar 50º graus Celsius e, no frio, chegar aos 10º Celsius negativos. Além disso, com altitude de mil metros, existe também no local, uma elevada radiação ultravioleta.
O projeto, pensado para ser confortável em todas as estações do ano e que oferece vista de 360º, previu temperaturas máximas internas de 28º no calor extremo e 18º no inverno, com números negativos. Isso é possível, graças à tecnologia empregada nos vidros, segundo o site da empresa no qual diz que o envidraçamento da janela em uma casa ajuda a economizar energia, melhora o isolamento térmico e acústico dos espaços internos. Composta por um quarto, banheiro e sala, a Casa do Deserto foi pensada para acomodar duas pessoas e é autossuficiente, sem fontes de energia, incluindo eletricidade e gás. Ao contrário, possui rede de tratamento de água, geração própria de energia e painéis fotovoltaicos, com quase nenhum, ou zero, impacto ao meio ambiente.



Para visitar...e ficar!
Falando de construções em áreas inóspitas, outro projeto também no Chile merece atenção. Trata-se do hotel Explora. Localizado no Parque Nacional Torres del Paine, na Patagônia Chilena, uma região de reserva planetária e de beleza ímpar, o projeto, por si só, é um convite ao bem-estar. Assinado pelos arquitetos Germán del Sol e José Cruz em 1995, tem 5.600 metros quadrados de área construída que cria um elo entre a urbanidade, por estar em um hotel de belíssimo projeto arquitetônico, com a natureza virgem. Trata-se de um hotel pensado para conectar o homem e seu espaço temporal com os mistérios da vida local, sob o luxo de um ambiente único, especial. E, sabe o que é mais interessante? Está prevista, para outubro de 2023, uma viagem de um grupo Connectarch para visitar esse lugar deslumbrante e com hospedagem nesse magnífico hotel.

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