A biofilia, a neuroarquitetura e os novos conceitos do morar - Connectarch
A biofilia, a neuroarquitetura e os novos conceitos do morar

A biofilia, a neuroarquitetura e os novos conceitos do morar

Por Eloisa Rangel

A neuroarquitetura e a biofilia são uma resposta para essa grande necessidade que o ser humano tem de se reconciliar com a natureza. E isso ficou ainda mais evidente em 2020. Afinal, o modo como passamos a lidar com a nossa casa e a maneira como nos relacionamos com a nossa família e amigos mudou radicalmente. Em entrevista exclusiva, Benedito Abbud, arquiteto e paisagista, fala sobre o quanto esses dois conceitos que priorizam a conexão com o meio ambiente influenciam nosso bem-estar.

Benedito Abbud, arquiteto e paisagista

A biofilia, por sua vez, permite que as pessoas se sintam “abraçadas pela natureza”, mas por uma “natureza soft”, que, obviamente, será reconstruída pelo homem, então, “não é aquela natureza agressiva, cheia de pernilongos, cobras e escorpiões, é uma natureza amigável. Aqui o conceito se aproxima bastante da palavra paraíso que significa um jardim protegido, ou seja, um jardim onde você está usufruindo das suas benesses e onde você não vai ser agredido por nada. Isso é muito importante”, esclarece Abbud.

Conceitos relacionados à neuroarquitetura e a biofilia têm como premissa a utilização de cores, ergonomia, materiais naturais e menos processados, que remetam às pessoas uma certa ligação com a natureza, aumentando, assim, a sensação de bem-estar. Lembrando que é possível também que a pessoa tenha um piso que lembre madeira, sem que ele necessariamente tenha sido feito com essa matéria-prima.

“Eu vejo a biofilia como uma consequência mais ampla do Healing Gardens, que são jardins de cura, que os arquitetos e paisagistas começaram a criar a partir da década de 1980. O conceito de biofilia surgiu por volta dos anos 1970, mas ele não era popular. Foi na década seguinte que esses jardins de cura passaram a ser utilizados em hospitais e clínicas. Então, nós procurávamos criar verdadeiros ambientes naturais, com muita vegetação, para que as pessoas pudessem se sentir dentro de uma paisagem menos construída. Nestes espaços, procurávamos colocar árvores frutíferas, principalmente para atração de pássaros. Em hospitais, por exemplo, fazíamos recantos muito agradáveis para todas as pessoas, não apenas para os doentes. Aliás, os Healing Gardens vieram para mostrar isso também, que os doentes que saíam, tomavam sol, tomavam brisa, iam para a  natureza, viam pássaros, apreciavam os peixes nadando, se curavam mais rápido, porque é uma questão de você ativar as memórias afetivas e, talvez, memórias que nem tenha, que seja uma coisa mais ancestral”.

Isso signfica também que o paisagismo precisa encontrar alternativas para que a vegetação possa predominar na paisagem. “Mesmo que sejam espaços relativamente pequenos, porque as pessoas percebem a biofilia através dos sentidos. Não tem outro jeito! Então, nós evocamos muito da visão através das florações, que é algo muito visual. Temos a questão das frutas que vão atrair os passarinhos, mas tem também o paladar das pessoas que é uma outra forma de você se conectar com a natureza, que é pegar uma fruta do pé e comer. É muito importante isso, do cheiro, do aroma que o paisagismo pode trazer de uma forma bem interessante para a vida das pessoas. De você poder estar num determinado espaço e se enebriar com um perfume gostoso, que não é aquele perfume artificial, é um perfume gostoso. Algumas plantas cheiram mais, então, procuramos também dosar. Já outras exalam o cheiro normalmente num certo horário, vem com a brisa. São perfumes mais delicados. Por exemplo, uma pitangueira, se você amassar a folha, sentirá um cheiro gostoso que pode até despertar memórias afetivas. E tem projetos, principalmente os realizados para terceira idade, que as pessoas têm procurado muito colocar essa relação das memórias afetivas no espaço”.

Segundo Abbud, os espaços também devem valorizar a questão da relação entre sol e sombra. “A vitamina D, que é fundamental para a nossa vida, está falando para a maioria das pessoas. Então, estou falando do tato agora. A sombra está relacionada ao sol batendo na pele. Isso é tato. Tem também a questão da audição, do farfalhar. É muito mais gostoso você ouvir o farfalhar das folhas. É muito melhor que ouvir barulho de carro. Ou, então, os sons da água, que trazemos muito no paisagismo para justamente encobrir aqueles ruídos chatos dos grandes centros urbanos. Ou seja, a neuroarquitetura te faz pensar para levar alguém realmente para um paraíso”.

Paisagismo por Benedito Abbud em Criciúma (SC) – fotos: Mariana Boro

Biofilia e bem-estar

Casas e cidades são desenvolvidas para as pessoas, o que torna o humano o ponto central da arquitetura. Vale lembrar que, atualmente, de acordo com o IBGE, cerca de 85% da populção brasileira vive nos grandes centros urbanos. Um fenômeno recente, já que até o início do século passado, o Brasil era um país estritamente rural, quando as pessoas viviam no campo e, por consequência, estavam muito mais próximas da natureza. Acontece que essa alta densidade populacional em capitais e grandes cidades, acaba impactando o nosso estilo de vida, que é extremamente agitado, estressante e sem muita conexão com o “verde”, por exemplo. Mas, segundo Abbud, essa é uma realidade que pode ser modificada.

“Hoje, ao apertar um botão, você pode fazer uma parede de vidro correr, permitindo que um ambiente interno esteja praticamente integrado a uma área de lazer externa. Ou, ainda, pode fazer rapidamente sua sala ficar maior ao abrir uma porta de correr para a varanda onde é possível sentir a brisa, o sol, o cheiro da natureza, a água que molha as plantas, aquele cheiro gostoso de chão, de grama cortada, ou mesmo sentir aquele perfume gostoso do solo quando chove. Tudo isso remete à natureza. E ela é fundamental, porque viemos da natureza”, pontua o arquiteto e paisagista.

Áreas de lazer integradas à natureza – projeto de Benedito Abbud em Vargem Grande Paulista (SP)

Biofilia por pequenos espaços

Mesmo nas grandes cidades, em que boa parte da população vive em apartamentos enxutos, as varandas ganharam um papel muito importante. “O brasileiro é um povo que valoriza muito a sociabilização durante as refeições, e é por isso que as áreas gourmet e as varandas ganharam outro patamar”, comenta Abbud. Até mesmo em empreendimentos em que as unidades têm espaços mínimos, existe essa percepção de que é preciso aproveitar melhor as áreas externas e de lazer como: piscina, áreas gourmets, de recreação infantil etc. Então, a valorização destes espaços será algo ainda mais forte na arquitetura daqui para frente. E esses conceitos vão se reafirmando à medida que muitas pessoas vão continuar trabalhando em casa, no sistema home office. “Essa modalidade veio para ficar em algumas profissões. Muita gente vai poder fazer isso quando o 5G for uma realidade no Brasil – claro que nem todos – mas, quem pode e mora em apartamento pequeno, logo, logo vai poder escolher onde trabalhar. Então, vai trabalhar de bermuda ou de calção, maiô, numa piscina, por exemplo. Ou seja, o que se percebe é que o trabalho e o lazer começam a se confundir de uma maneira muito mais benéfica para as pessoas, mesmo para as que estão morando em apartamentos pequenos. Porque se você mora num prédio que tem uma área de lazer, você vai poder trabalhar numa área externa durante um momento do dia para tomar um solzinho gostoso, mesmo que esteja frio. Então, essas coisas são muito importantes e nos proporcionam trabalhar com mais qualidade”.

Projeto Praça Paulista do Benedito Abbud – Foto: Leonardo Valentin

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